quinta-feira, 4 de julho de 2013

LISBOA


           

   
Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar.
E as árvores soturnas não se mexem.
Estio!
Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou aos arcos, estampadas…

Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem da manhã.
A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda recolhida.
Aqui uma janela discreta que se abre, preta, cega.
Ali outra fechada.
E esta alternância, bastante irregular, vai-se repetindo, repete-se…

E eu, ai eu! prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!
                     
Irene Lisboa
Revista de Portugal 
nº 3, 1938
                 
                  
No poema de Irene Lisboa é feita a descrição de um bairro de Lisboa, a Lapa. No entanto, não se trata de uma descrição precisa, pormenorizada, como fazendo parte de textos narrativos. Aqui o que assume maior importância não é o lugar, o espaço exterior, mas as impressões que alguns aspetos particulares desse espaço provocam no sujeito lírico; a forma pessoal, única, como este os vê – «Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar». Essa visão subjetiva, original, da realidade traduz-se na seleção de vocabulário e na criação de associações de palavras pouco usuais – o verbo «cair» no 1º verso, em vez de «voar»; as «árvores soturnas» (personificação); «uma janela discreta». Está igualmente nas exclamações, expressivas apesar de sintéticas. – «Estio!», «Elegante Lapa!». O sujeito vai-nos transmitindo a sugestão desse lugar como se fosse acumulando «pinceladas» – «Aqui uma janela / Ali outra recolhida».
E, por fim, o que ressalta deste esboço de descrição é a expressão de um sentimento individual – «E eu, ai eu! prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!»
                 
Guia de aprendizagem. Disciplina de Português. Unidade 4. Ensino Secundário Recorrente, 
Lisboa, Ministério da Educação – Departamento do Ensino Secundário, 1997. Nº de Depósito Legal – 115 892/97
               

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/01/largo-de-cacilhas.html

              
              


DE CACILHAS RIO A LISBOA

De cacilhas rio a lisboa
insane chove triste
                                          ai u é
o navio a travessia inane
que outras foram neste dizer
                                          ai u é
                                          d’outras falta o destino
         
Fernando Martinho Guimarães, Cacilhas, 08/01/1993
apenas um tédio que a doer não chega, Lisboa, Edições Fluviais, 2005

             
             
 
© José Carreiro

              


TODOS OS DIAS

Todos os dias, depois do almoço,
era o das duas e quinze Ermesinde
S. Bento, a porta aberta 
manualmente
e a sedução do aviso: 
partir
em caso de emergência. Todos os 
dias
era esse horror vacui cheio de
parêntesis, prédios, subúrbios,
gente que saía a correr na 
pressa
de chegar à rua para 
repartir
talvez com um ou outro 
vagabundo
a mesma indiferença pela vida.
               
Carlos Bessa, Em partes iguais
Lisboa, Assírio e Alvim, 2004

           

                


LISBOA ANTIGA
Lisboa, velha cidade, 
Cheia de encanto e beleza!
 
Sempre a sorrir tão formosa,
 
E no vestir sempre airosa.
 
O branco véu da saudade
 
Cobre o teu rosto linda princesa!

Olhai, senhores, esta Lisboa d'outras eras,
 
Dos cinco réis, das esperas e das toiradas reais!
 
Das festas, das seculares procissões,
 
Dos populares pregões matinais que já não voltam mais!

Lisboa, velha cidade,
 
Cheia de encanto e beleza!
 
Sempre a sorrir tão formosa,
 
E no vestir sempre airosa.
 
O branco véu da saudade
 
Cobre o teu rosto linda princesa!

Olhai, senhores, esta Lisboa d'outras eras,
 
Dos cinco réis, das esperas e das toiradas reais!
 
Das festas, das seculares procissões,
 
Dos populares pregões matinais que já não voltam mais!
               
José Galhardo e Amadeu do Vale

"Lisboa Antiga", por Riko Dorilêo



           
 


             
LISBOA-94
Descri do tempo: a vida arrependeu-se
se de todas as promessas, dia a 
dia
irrompendo e rompendo o 
infinito
do que chamamos febre, 
labareda
acesa desde sempre. Neste 
corpo
há um princípio de alma a 
respirar
como fogo roubado a outro 
fogo
que mais ninguém conhece — ergueu-se a 
chama
e ondula ainda em cada gesto 
meu
a decompor-se ao longo de mil 
gestos
das pessoas autómatas, varrendo
a atmosfera das ruas, o 
prazer
de repetir retratos entre as 
curvas
da pálida cidade 
boquiaberta
em fim de quarta-feira. De 
improviso
a memória atravessa essa uma 
abertura
pelo meio de portas mal fechadas,
caleidoscópio histérico de 
encontros
em bares e restaurantes sob as luzes
cada vez mais à deriva. O pensamento
dilui-se ao ritmo dos lugares-comuns
no quase inútil mapa dos sorrisos
agora sobrepostos — 
engrenagens
nocturnas, reticências prolongando
as falas sempre vás dos vãos amigos,
poeira de mil sonhos dissipados,
melodia espectral, oásis mudo,
palácio em ruínas, coração.
                
Fernando Pinto do Amaral, Às Cegas, 1997
           




© José Carreiro



ELEGIA DE LISBOA

“Nas nossas ruas, ao anoitecer”,
abre-se num olhar a pena 
errante
de quem se ilude em passos vagarosos,
em mais um jogo incerto de cem 
luzes
sob este céu tão baço. Como sempre,
os mudos automóveis sobem, descem
ruas e ruas rumo a outras 
ruas
polvilhadas de gente que 
regressa
sem ter partido- insectos ondulando
ao som das lentas horas fatigadas,
rostos esfarrapados de 
trabalhos
inúteis como a tarde que se 
entrega
às doces mãos secretas do 
crepúsculo
vibrante no declive dos 
telhados
em degraus sobre o Tejo. 
Devagar
cola-se ao espírito a membrana 
escura
dos sonhos que perdi ou que pedi
há tantos anos à 
eternidade
e agora se dispersam na 
colmeia
das pequenas janelas reacesas,
no bafo das famílias 
indiferentes
no seu “tinir de loiças e talheres”,
suspensas de ecrãzinhos onde vêem
outras famílias e outras 
indiferenças
até ao infinito. As sombras crescem
quando a lua aparece e pouco a 
pouco
a solidão retoma os seus direitos,
devora o que ainda resta do 
azul
e eu vou descendo a pé, já transformado
num perverso turista 
acidental
e condenado a “combater em 
vão
o velho tédio” ocidental, em 
bares
onde reagem faces conhecidas
em acenos voláteis que se cruzam
com esse aroma surdo e espesso e 
dócil
das vozes que por vezes me esvaziam
qualquer recordação. Bairro nocturno
confundo os teus caminhos-labirinto,
os nomes das vielas 
inconstantes
e ao percorrê-las «temo que me avives
uma paixão» recente, a 
esvoaçar
ainda não defunta, mas 
talvez
moribunda por entre a marabunta
que vai enchendo, enxameando as 
caves
onde se compra e vende cada 
rosto
e onde mergulho cego e surdo e fico
senhor da sua imagem, de 
repente
unida às gargalhadas tão ingénuas
das viciosas bocas florescendo
na treva, procurando novas 
bocas
algures. Cá fora, a verde camioneta
recolhe as sensações de mais um 
dia
exausto. Recomeço o meu circuito,
arranco e desço mais um pouco, 
até
à zona antigamente industrial,
aos pálidos felizes contentores
sob a penumbra imensa dos guindastes
quase irreais. Alguns amigos entram
em armazéns de espuma onde exercito
os fúteis bocejantes sentimentos,
a mais falsa alegria, a 
peregrina
febrícula do espírito embrulhado
em whisky ou nas falas 
transparentes
de alguém que por acaso eu 
poderia
talvez amar- “ I´m so crazy for you!”-,
mas não há “ nunca nada de ninguém”,
só esta bílis negra que me 
espera
á saída dos últimos 
lugares
acompanhando agora o rio que alastra
e se mistura à crónica 
euforia
de uns “ tristes bebedores” que mal trauteiam
frágeis franjas de música boiando
no seu vazio que é também o 
meu
quando parto agarrado a um 
volante
e na aragem dos vidros entreabertos
saboreio um cigarro que se evola
só para ti, Lisboa. Sempre quis
pulsar ao mesmo ritmo que tu,
transpor este deserto e 
conseguir
em golfadas de versos 
libertar
o encarcerado sopro do teu peito-
- cidade atravessada  de 
armadilhas
traindo e atraindo cada 
gesto
das poucas silhuetas ainda 
vivas
sob os pilares da ponte. Ò vã Lisboa,
cai sobre mim o peso dos teus sonhos,
“quimera azul” da minha dor sem pátria,
e entre dois semáforos suplico-te:
apaga do meu corpo o 
sobressalto
dos seres de carne e osso, dessa 
estranha
realidade apenas 
virtual
que me despe de todos os 
fantasmas
e fica projectada no 
silêncio
das cinco e meia, enquanto vou seguindo
a “correnteza augusta das fachadas,”
as pombalinas rectas, um 
cortejo
de iluminadas cinzas. Uma 
estrela
parece ter sorrido para 
mim
como se finalmente esta 
cidade
me confiasse a rota 
imperceptível
das suas ondas a perder de vista-
-“ marés de fel, como um sinistro mar,”
caudal por onde singro e me despeço
do sangue de quem solta, solitário,
algum suspiro em quarto 
derradeiro
até ser minha a cor da tua voz,
ó morte a que abandono luz e sombra,
o grito do meu nada ainda em fuga,
mas de súbito em paz entre os teus braços.
                   
Fernando Pinto do Amaral, A cinza do último cigarro, 2000
              

© José Carreiro





À ESPERA DO PRIMEIRO ELÉCTRICO

Outros que critiquem
o planeamento do território,
os crimes urbanos, a 
droga
que pacifica os 
estados
aparando sedições virtuais.
Apetecia-me comer, agora,
mas os poemas só têm valor 
real
(isto é, monetário) na 
lua
de Bergerac. No Martim Moniz,
em perpétua demolição,nem 
cheques
aceitam — quanto mais 
versos
que não rimam com nada.

Tenho à minha frente o futuro,
um futuro de três 
cervejas
e talvez de um charro,
se encontrar alguém. Um futuro 
breve
(a redimir ou não nas ruas mais altas),
nenhuma vontade de 
amor
e os pés acentuadamente azuis
— fétidos, sem dúvida alguma.

Já me propus, em dias de tédio maior,
escrever um poema vário, curar-me
destas ladainhas pouco edificantes.
Não deu, paciência. Consola-me ao 
menos
a irrefutável pobreza do quotidiano.
Estamos bem um para o 
outro
(mas uns trocos davam jeito, com real ou 
sem
ele — e eu não sei arrumar carros).

A noite lá faz o que pode.
             
Manuel de Freitas, Os Infernos Artificiais2001
             
Estátua do Marquês de Pombal, Lisboa, 1930.

               
ULISSES – OLISIPO

Desenham-se no céu os números da solidão
por onde James Joyce conseguiu escrever o 
romance
Ulisses há-de sê-lo bem o meu 
coração
eu, a minha solidão, o meu 
transe

A chaminé na cidade deita o fumo da minha 
angústia
o meu desespero projecta a minha 
intoxicação
Ulisses, cidade de Dublin, eu, Lisboa, minha 
cidade
eu, Lisboa, a chaminé, o meu 
coração

O fumo sobe que sobe sobe que sobe e enche o 
ar
cidade de Dublin, Lisboa
também eu te vou a cantar.
Grande a nostalgia do teu néon 
luminoso
a sentir-se dentro de mim e a dizer-se que já não posso

Aqui a enorme cidade aqui a 
tentacular
o meu crime é de estudar o céu que me invade
e onde arranha o arranha-céu.
                 
António Gancho, O Ar da Manhã
Lisboa, Assírio & Alvim, 1995
              
                

LISBOA

Do rio Lis, boa, Lisboa diz
«Eu sou do rio Lis, boa».
Lisboa é, Lisboa tem
ralé, gente bem,
gentio da Guiné,
ladrões de quem,
a Sé, o dia mais o Tejo
e finalmente Lisboa é tudo o que vejo.
Fé em tudo o que tem
a verdade de ela ser de todas e
entre todas a maior 
cidade
de ela ser entre todas a mais bela 
cidade
e à janela Lisboa poisa 
triste
olhando além o 
cais
e a tudo quanto existe diz
«Mais, mais, mais».
Lisboa, sempre,
quente no Verão,
mais álvida no Inverno,
Lisboa, desce, então,
do rio Lis, boa,
eterna parábola do que no seu nome soa.
E Lisboa vem para baixo desce
faz-se mais baixo, acho e cresce 
que
Lisboa desde o Lis para boa ou para 
flor
diz e sempre diz e mil vezes diz.
«Sim, eu sou Lisboa por favor».
               
António Gancho, O Ar da Manhã, 1995
             

© José Carreiro

           
LISBOA, 4 DE JULHO DE 2004 (DOMINGO)

Há uma glória neste lugar solar
por sobre a sombra, o desabrigo,
ladeando ventos, passos, vozes,
pássaros de 
água

Há sob o sol antigo (sol alheio, de sobranceria)
um acolhimento, como se ele apenas 
contigo
houvesse agora entendimento e no 
princípio
da praia, solitário, te esperasse.

Para trás ficou a cidade — a cidade-estuário,
a cidade azul levantada pelo rio, a cidade olhada,
percorrida, no bater do coração de tanto Verão —.

amarga e amada e na tarde da terra o 
trabalho
avança, contigo para o sem-nome da distância,
solitária e azul
               
Maria Andresen, Livro das Passagens
Lisboa, Relógio d’Água, 2006
           
            
LISBOA, INVERNO DE 2006

Pelo grande azul que ao sol se mistura
e a leve toldação de 
névoa
esta é uma manhã em que está 
ela

E com ela assim passamos e tocamos
não no mistério mas nesta face 
clara

Aqui no grande Terreiro da cidade não há o
contínuo coro das cigarras, metálico, 
estridente
e sem monotonia, canto da terra 
encarnada

Solo que do solo sobe como se eco do sol fosse
Sobe como estrídulo louvor em lugares deificados

Aqui não há isso, mas modulações 
ventosas
vindas na linha de água ao fundo da 
manhã

Por isso aqui em manhãs de sol e sob o 
frio
a alma sobe e podes procurá-la – ela estará

Colada ao sítio das cigarras, ao sol agradecida
desadornada e alvíssima como se não houvesse havido ida
              
Maria Andresen, Livro das Passagens, 2006
          

            

AVENIDA ALMIRANTE REIS

Os corpos encostados à parede
talvez recordem paisagens brancas,
uni inverno ucraniano com 
árvores
perdidas na neve. Que outros 
olhos
viram estes olhos? Eu passo por eles,
eles não me vêem. Partilham a 
garrafa
de vinho, um pente. E a montra do café,
 apagada e triste, serve-lhes de espelho.
               
José Mário Silva, revista Relâmpago nº12, Abril 2003
           




            
CIDADE

Imensa, troglodita, ambiciosa,
vai a cidade até à praia;
perdeu no campo as rochas cor-de-rosa,
e o mar, se a busca, evita-a, não desmaia,
antes se ergue negro contra o desconforto.

O rio leva casas debruçadas
que já, com o tempo, foi cavando em 
arcos
de perfil sem cal, inclinado e morto...
e leva também barcos.

No céu, as nuvens correm desviadas,
enquanto o Sol, em dardos, sobre o mar as crava.
           
Jorge de Sena, Coroa da Terra, 1946
           


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/04/lisboa.aspx]

terça-feira, 2 de julho de 2013

O CAMPO (Rui Knopfli)


micaia e capim em Moçambique
             

O CAMPO

Saio para o campo. O campo
aqui não é o campo, mas a savana
eriçada de micaias e capim
feio e desigual. Habitantes
do seu mundo, os negros ignoram-me,
empenhados em suas tarefas quotidianas.
Olho para as coisas abandonadas,
latas escuras de ferrugem, lonas
pardas de pneus, ferros
retorcidos sem jeito. Entre isso
o capim espreita, descolorido, espigado
e hirsuto. Nada me sugere a face
aveludada de uma paisagem pastoril,
rosto tranquilo de criança sonhando.
Mas eles estão no seu mundo,
e eu passeio no campo.
           
Rui Knopfli, Reino Submarino, 1962
             
                  
TEXTOS DE APOIO | LEITURA ORIENTADA
                   
I
«Habitantes / do seu mundo, os negros ignoram-me» no «capim / feio e desigual.» «Mas eles estão no seu mundo, /e eu passeio no campo.»
Implicitamente há a oposição entre eles negros vs eu branco e, consequentemente, entre estratos sociais moçambicanos. Este sujeito poético é o branco que se passeia no ambiente dos negros, cujas «tarefas quotidianas» e mesmo «coisas abandonadas, / latas escuras de ferrugem, lonas /pardas de pneus, ferros / retorcidos sem jeito» parecem não fazer parte do seu modus vivendi.
Esta dicotomia carateriza o estado de coisas binário que se vivia na África colonial. Ademais, a corrente que ganhava força na inteligentsia da época era a negretudinista e Knopfli, por força das circunstâncias, por mais que esteja solidário com os injustiçados, só entende falar com substância o seu próprio eu: «Eu não posso assumir dores que não sinto. Eu posso reconhecer uma injustiça social larguíssima ou uma injustiça mais que social, que é a injustiça da situação colonial, que não direi que era criminosa, mas que era anómala ‑ que é uma coisa de que eu me apercebi muito cedo, na adolescência, como é que é possível a existência das colónias, como é que há povos que têm dependências e que governam outros povos ‑ mas eu não posso vir falar do ponto de vista dos injustiçados. Só do meu ponto de vista.» Rui Knopfli. Longe, em sítio nenhum», entrevista e fotografias de Francisco José Viegas para a revista LER. Livros & Leitores nº 34. Primavera 1996, p. 55.)
Rui Knopfli, ao longo da sua obra,  afirma-se enquanto indivíduo culturalmente miscigenado. O seu ajuste identitário faz lembrar o depoimento de uma personagem deMayombe, obra em que se nota a dificuldade que há na construção de uma identidade nacional num país de grande pluralidade étnica, sociopolítica e cultural:
«Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura do café, vinda da mãe, misturada ao branco defunto do meu pai, comerciante português. Trago em mim o inconciliável e é este o meu motor. Num Universo de sim e não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face a este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta.» (Pepetela,Mayombe, 1971.)
              
Dizia Rui Knopfli em 1972 (entrevista à revista Tempo, aquando da reedição deMangas Verdes com Sal):
«Nós vivemos aqui (em Moçambique) uma realidade extremada entre dois pólos e, no espaço compreendido entre eles cabe um sem número de gradações. Aí, algures em silêncio, habita uma voz que é a da tolerância e do bom senso, que procura olhar em redor sem preconceitos e despida de juízos apriorísticos, que quer reclamar-se da inocência e da objetividade. É a ela que me tenho esforçado por dar corpo, mesmo que o preço e o risco valham; a solidão e o isolamento em que incorre quem se descompromete da coesão das diversas seitas.»
       
José Carreiro, “O CAMPO (Rui Knopfli)” in Folha de Poesia, 2013-07-02, <https://folhadepoesia.blogspot.com/2013/07/o-campo-rui-knopfli.html> 
TEXTOS DE APOIO
II

A distinção entre os dois espaços, uma distinção que começa ao nível da sua nomeação ‑ logo ao nível da concetualização semântico-linguística ‑ «O campo/aqui não é o campo, mas a savana» ­, revela uma diferença porventura irreconciliável entre dois mundos ao nível sociológico e cultural, se não ontológico: «Habitantes/do seu mundo, os negros ignoram-me».
[…] Aqui, especificamente, a relação entre um colonizado que sintomaticamente «ignora» a presença do colonizador, e o «colonizador ‑ ou assim percebido pelo «negro/outro» no poema ‑ que «passeia» intrusivamente no espaço do colonizado. Osdiferentes significantes «campo» e «savana», correspondem a nomeações conflituantes, e descobrem a disputa pela ocupação do «mundo dos negros» por dois agentes culturais e históricos cujos percursos são opostos e não comunicantes entre si.
A ausência de comunicação entre o sujeito poético e o «negro habitante do seu mundo» sugere neste poema, além do mais, estarmos em presença não só duma oposição linguística e sociológica, mas sugere ainda estarmos em presença duma relação de subalternidade e dominação ‑ a dominação pelo mundo com o qual o sujeito poético é identificado no poema, o do colonizador, e subalternidade do mundo daquele que o «ignora», o do colonizado. Sendo o negro «aqui» «habitante do seu mundo», deverá entender-se o ato de «ignorar» pelo negro de quem «passeia» no seu mundo, como o propósito de ser criada uma identificação do sujeito poético ao «intruso» nesse espaço. Implícito é ainda que a identidade racial não negra do sujeito poético é o signo que a priori lhe desmascara o caráter invasor.
[…] No entanto, ao contrastar duas tradições culturais e linguísticas distintas, bem como as distintas formas de as mesmas fazerem entrar uma mesma realidade no seu diverso universo linguístico e cultural, Knopfli resgata a diferença e o direito a ela do sujeito colonial. (in O país dos outros. A poesia de Rui Knopfli, Fátima Monteiro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. Coleção: “Escritores dos países de língua portuguesa”, nº 32, pp. 60-61)
            
III
Knopfli marca ainda uma diferença de mundos, o dos negros que o ignoram e o seu. O mundo do poeta é intermediário. Não pode ser europeu pois toda a sua vivênciase deu em meio àquela terra. Portanto, o campo não pode jamais ser o campo europeu. Porém, ele também não pode aspirar a savana dos negros que o ignoram, pois não saberia como dizê-la. Fazendo isso, o poeta nos diz que a savana está para ele como o campo está para os poetas europeus.
Com tudo isso o poeta corrobora quando diz:
Pessoalmente devo confessar que nunca terei escrito um verso, ainda quando roubo a Camões, ou colho em Shakespeare, em que Moçambique não esteja presente. Se digo Tamisa, ou escrevo Aron, penso Incomati ou Limpopo, rios que emolduram e glorificam a minha infância, a minha formação, inicial e definitiva, desde uma Moamba longínqua onde meu pai sedimentaria uma amizade, sempre reafirmada e nunca traída, com o excepcional patriarca Raul Honwana, ambos, a seu diferente ou oposto modo, funcionários da administração colonial. A partir de qualquer fonte determinante e original, da Moamba, por exemplo – e porque não? –, o criador é sempre o resultado da sua inteligência, sensibilidade e cultura, irremediavelmente agravadas pelo seu circunstancialismo, e tanto pode produzir um Luís Bernardo como... um Rui Knopfli, até porque nem no lugar e na época os circunstancialismos coincidiam. Por mim não pude escapar ao meu, como se verifica pelo juízo da crítica portuguesa que, mesmo quando me estima e acarinha, não sabe onde inserir-me ou arquivar, e a moçambicana, hesitando perplexa entre a pura rejeição e a parcial, quase envergonhada ou marginal aceitação.
Por tal motivo me espanta que se ressuscite, ainda hoje, a querela gratuita da nacionalidade literária que, de facto, não existe. Na verdade aquela é uma evidência e não um decreto, não surge de imposições externas, mas das coordenadas especiais que nos conjuraram ao discurso criador no espaço que nos foi consignado. ("Carta para Moçambique / O denominador comum", Rui Knopfli. In: Revista Colóquio/Letras. Cartas, n.º 110/111, Jul. 1989, p. 20)
                  
Neste trecho de sua comunicação, Knopfli busca outra comparação. Agora, isso se dá com o escritor Luis Bernardo Honwana. O contexto no qual estava o poeta inserido não o impedia de viver as coisas de África. Assim como não impediam Luis Bernardo. A diferença está nos aspetos que levaram Knopfli a levar mais em conta sua subjetividade, isto é, seu contato com as culturas e literaturas que tinham como centro o sujeito mais que a comunidade, como é de praxe nas culturas ocidentais. Assim, o circunstancialismo ao qual Knopfli se refere é justamente esse contato com culturas diferentes durante a sua formação que o levaram para caminhos diferentes, e fica ainda a dúvida do próprio poeta se seriam “opostos”, ainda que partilhassem um território e uma época. No mesmo período de tempo e compartilhando o mesmo espaço geográfico, Knopfli e Honwana vivenciaram experiências diferentes, sejam elas culturais ou não, que deixaram “cicatrizes” que os fizeram imprimir “tripas” aos seus escritos. Passadas, por tanto, pelo filtro da experiência, suas obras não poderiam ser senão diferentes.
Mesmo em um contexto em que a subjetividade toma conta desses espaços de enunciação em poesia, Knopfli também tem dificuldade para se enquadrar. Parar provar esse argumento, o poeta utiliza a crítica literária portuguesa, que também não encontra, senão às margens, um local onde inserir a literatura produzida por ele. Nos espaços de onde julgava-se vir o discurso de Knopfli, ele também não poderia ser completamente aceite. Esses problemas eram tanto de ordem nacionalista, isto é, Knopfli é moçambicano, portanto não podia ser aceito totalmente por Portugal, como orbitavam o aspeto ideológico, sabendo que Knopfli desde seu primeiro livro afirmava-se africano. A solução encontrada pelo poeta para resolver esse sobre nacionalismo foi o de assumir como facto de que nasceu em Moçambique e sua literatura não poderia, portanto, pertencer a outro lugar, a despeito de sua qualidade ou conteúdo. Assim também o faz quando cita a literatura de colonos produzida em território moçambicano. Cita exemplos de colonos que denunciavam os abusos de colonizadores e também de colonos que escreviam buscando animalizar os “nativos”. A ambos ele confere o mesmo estatuto. Ambos pertencem à História de Moçambique e é preciso lê-los para saber de onde vêm os moçambicanos e, conhecendo o seu passado, decidir para onde vão. Criando portanto uma tradição com a produção literária e histórica que se deu ali.
Diante dessas afirmações de Knopfli, subjaz um sentimento de pertença àquele país. Mas um sentimento que se despe de correntes ideológicas, como desvelou a rosa durante a sua obra. Assim, aquele espaço toma conta de seus versos não como pátria, não como nação, mas como espaço. Ainda, ao falar em “denominador comum”, Knopfli reafirma a sua pertença a uma tradição maior que a moçambicana, mas também não isento dela. Defendendo a língua como Pátria, ele escapa às querelas que só o conduziriam a um discurso que lhe seria externo, tendo sido o poeta também forjado pelos elementos que já citamos.
Tendo em vista estes aspetos, podemos entender melhor a visão do próprio poeta quanto ao seu espaço, quanto a sua “classificação”. É possível vislumbrar a ideia que Knopfli fazia de seu lugar de enunciação. Assim, negando em seus versos o nacionalismo, ele não nega sua nacionalidade. Entrega-se a algo que, em sua visão, excede, extrapola esse conceito. Dizer-se africano é uma forma de resistir a essa ideologia que tomava conta de Moçambique, mas, ao mesmo tempo, mostrar a sua ligação com aquela terra. (A poética da sinceridade de Rui Knopflitese de mestrado de Gabriel Madeira Fernandes, São Paulo, USP - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2012, pp. 45-48)
                   

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  Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Rui Knopfli, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível em: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Lit-Afric-de-Ling-Port/Lit-Mocambicana/Knopfli, 2020 (3.ª edição).

           

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/02/o.campo.knopfli.aspx]

segunda-feira, 1 de julho de 2013

HIDROGRAFIA (Rui Knopfli)


Rio Zambeze

                
HIDROGRAFIA

São belos os nomes dos riosna velha Europa.
Sena, Danúbio, Reno são
palavras cheias de suaves inflexões,
lembrando em tardes de oiro fino,
frutos e folhas caindo, a tristeza
outoniça dos chorões.
O Guadalquivir carrega em si espadas
de rendilhada prata,
como o Genil ao sol-poente,
o sangue de Frederico.
E quantas histórias de terror
contam as escuras águas do Reno?
Quantas sagas de epopeia
não arrasta consigo a corrente
do Dniepre.
Quantos sonhos destroçados
navegam em detritos
à superfície do Sena?
Belos como os rios são
os nomes dos rios na velha Europa.
Desvendada, sua beleza flui
sem mistérios.
Todo o mistério reside nos rios
da minha terra.
Toda a beleza secreta e virgem que resta
está nos rios da minha terra.
Toda a poesia oculta é a dos rios
da minha terra.
Os que, cansados, sabem todas
as histórias do Sena
e do Guadalquivir, do Reno
e do Volga
ignoram a poesia corográfica
dos rios da minha terra.
Vinde acordar
as grossas veias da água grande!
Vinde aprender
os nomes de Uanéteze, Mazimechopes,
Massintonto e Sábiè.
Vinde escutar a música latejante
das ignoradas veias que mergulham
no vasto, coleante corpo do Incomáti,
o nome melodioso dos rios
da minha terra,
a estranha beleza das suas histórias
e da suas gentes altivas sofrendo
e lutando nas margens do pão e da fome.
Vinde ouvir,
entender o ritmo gigante do Zambeze,
colosso sonolento da planura,
traiçoeiro no bote como o jacaré,
acordando da profundeza epidérmica do sono
para galgar os matos
como cem mil búfalos estrondeantes
de verde espuma demoníaca
espalhando o imenso rosto líquido da morte.
Vede as margens barrentas, carnudas
do Púngoè, a tristeza doce do Umbelúzi,
à hora de anoitecer. Ouvi então o Lúrio,
cujo nome evoca o lírio europeu,
e que é lírico em seu manso murmúrio.
Ou o Rovuma acordando exóticas
lembranças de velhos, coloniais
navios de roda revolvendo águas pardacentas,
rolando memórias islâmicas de tráfico e escravatura.
Ah, ouvidos e olhos cansados de desolação
e de europas sem mistério,
provai a incógnita saborosa
deste fruto verde,
destes espaços frondosos ou abertos,
destes rios diferentes de nomes diferentes,
rios antigos de África nova,
correndo em seu ventre ubérrimo
e luxuriante.
Rios, seiva, sangue ebuliente,
veias, artérias vivificadas
dessa virgem morena e impaciente,
minha terra, nossa Mãe!
            
Rui Knopfli, Reino Submarino, 1962
             

TEXTOS DE APOIO
I
Em «Hidrografia»Knopfli, lá do fundo da cidadezinha africana, aonde lhe chegam as glórias culturais dos Senas e dos Danúbios da velha Europa, descobre Moçambiquena sonorosa majestade dos seus rios, cujos nomes magnificentes têm a força de um génesis e a sensualidade do canto das origens. Para o poeta, que visita Joanesburgo como o seu Paris de ao pé da porta, esta súbita consciência do vínculo do homem ao solo, a serena aceitação da africanidade, constitui também um repúdio consciente de todo e qualquer provincianismo cultural. «Hidrografia» e outros poemas, onde se eleva uma nota idêntica, qual é aquele em que Knopfli diz preferir as micaias às rosas, merece-lhe sem dúvida o título de poeta moçambicano. (Luís de Sousa Rebelo, Prefácio aMemória Consentida. 20 anos de poesia 1959/1979, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982, Coleção "Biblioteca de autores portugueses".)
                
II
Com esse poema, Knopfli revela todo um espaço ainda por descobrir em solo africano. Mostra conhecimento sobre os espaços metropolitanos europeus e convida a (re)descobrir ou a (re)escrever as estórias desses rios, que podemos tomar metonimicamente como todo o continente africano.
O outro fator extremamente importante é o interlocutor deste poema. Afinal, a quem ele se dirige? Quem o poeta convida para conhecer os rios de sua terra? Ora, quem poderia ser senão aqueles que só conhecem os rios da Europa? Isso inclui tanto europeus quanto qualquer ocidental que tenha estudado a História da Europa. Esse dado é muito importante, pois vincula duas tradições, duas culturas em um mesmo poema, e é essa justamente a sua posição. O seu local de enunciação é quase sempre levado por essa perspetiva. Digo quase sempre pois nem sempre seus poemas conseguem sintetizar dessa forma essa aparente contradição, mas que na verdade não passa de uma tentativa de juntar essas tradições em versos.
Sobre esses aspetos Francisco Noa (1997), enquadrando Knopfli na modernidade da literatura moçambicana, diz:
A poesia de Knopfli, no que ela apresenta de conflitual, ambíguo, inovador, contraditório, aglutinador, sedicioso, autocrítico e antecipatório, assume-se inequivocamente como metáfora da modernidade literária em Moçambique. [...] Nas suas múltiplas e diversificadas vertentes, Knopfli terá africanizado essa modernidade [europeia], subvertendo-a, dilatando-a, reequacionando-a em função de especificidades temáticas e estruturais da sua escrita. O alargamento conceptual e espacial da modernidade revela que, no fundo, é ela própria uma busca de sentido. (Francisco Noa, Literatura moçambicana: memória e conflito, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, 1997, p. 118)
Não contente com isso, ao final, o poeta elucida um sujeito singular (“minha terra”) e um coletivo (“nossa mãe”), o que pode inseri-lo tanto como fruto de uma mãe africana, um filho de África, como também permite uma leitura mais abrangente. Levando em conta a quem se dirige o poema (aos metropolitanos europeus), busca uma identificação de pertença comum, ou seja, a África como mãe também desses sujeitos do espaço colonizador, promovendo mais ainda a união das culturas, sugerindo a mesma origem.
A identificação com o continente africano vem estampada nas referências a “batalhas”, “morte”, “detritos”, “terror”, “sonhos destroçados” associados aos rios europeus em oposição à “beleza secreta e virgem”, ao “fruto verde”, ao “ventre”, à “seiva”, ao “sangue ebuliente”, às “artérias vivificadas”, que seriam características dos rios africanos, repletos, portanto, de vida. Nos momentos em que imagens de teor negativo aparecem associadas aos rios africanos, elas apenas salientam, por oposição, a resistência e a vida ali presente, como o rio gigante que acorda para “galgar os matos/ como cem mil búfalos estrondeantes/ de verde espuma demoníaca/ espalhando o imenso rosto líquido da morte”. (A poética da sinceridade de Rui Knopfli, tese de mestrado de Gabriel Madeira Fernandes, São Paulo, USP - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2012, pp. 35-36)
              
                
LINHAS DE LEITURA
José Carreiro
            
·         Note-se a metáfora do declínio europeu presente nas imagens “frutos e folhas caindo” e “tristeza outoniça dos chorões”.
·         O sujeito da escrita demarca-se do empreendimento colonial ao desconstruir o discurso europeu de (auto)glorificação épica, como está implícito no uso do campo lexical da violência (cf. vv. 8 a 19 – espadas, o sangue de Frederico, terror, escuras águas, sagas de epopeia, sonhos destroçados).
·         O poema, publicado antes da independência de Moçambique, insere-se na linha de escrita ufanista e de intenção nacionalista herdada de Gonçalves Dias ao exaltar a natureza de sua terra (um espaço ainda em estado de latência, uma natureza intocada, representada no poema por substantivos como mistério ebeleza e pelos adjetivos secretovirgem e exóticos, e cuja única contaminação é a fome e a lembrança deixada pelos navios coloniais).
·         A divisão do poema em duas partes é resultante do paralelismo antitético entre os ícones hidrográficos europeus e os africanos – enquanto na épica europeia o heroísmo está nos feitos humanos, na épica africana o mesmo é atribuído ao animismo da natureza hidrográfica.
·         O poeta convida o interlocutor (que supomos europeu e ocidental) a conhecer e sentir os rios africanos (Vinde, Vede, Ouvi, provai).
·         No último verso o poeta transita de um sujeito singular (minha terra) para um sujeito coletivo (nossa Mãe), abrangente ao próprio interlocutor.
·         Ao mesmo tempo em que o poeta reconstrói uma imagem do mundo, constrói uma imagem do próprio eu, evidenciando o seu ponto de vista particular (Fátima Monteiro sugere, por isso, que, «reconhecendo a sua condição de sujeito histórico delicada*, Knopfli procura enunciar a sua identidade e reclamação do direito de representação espacial duma forma cultural e, em especial, racialmente dissociada do sujeito colonial negro-africano.»)
______________
* «Um sujeito que, sendo anticolonial solidário a Caliban, e pós-colonial naautorrepresentação de si, se sabe no entanto racial e culturalmente descendente de Próspero.» (in O país dos outros. A poesia de Rui Knopfli, Fátima Monteiro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003. Coleção: “Escritores dos países de língua portuguesa”, nº 32, p. 58.)
               

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Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Rui Knopfli, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível em: https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/Lit-Afric-de-Ling-Port/Lit-Mocambicana/Knopfli, 2020 (3.ª edição).

   
 
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/07/01/hidrografia.aspx]