Só pra dizer que te Amo,
Nem sempre encontro o melhor termo,
Nem sempre escolho o melhor modo.
Devia ser como no cinema,
A língua inglesa fica sempre bem
E nunca atraiçoa ninguém.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
Só pra dizer que te Amo
Não sei porquê este embaraço
Que mais parece que só te estimo.
E até nos momentos em que digo que não quero
E o que sinto por ti são coisas confusas
E até parece que estou a mentir,
As palavras custam a sair,
Não digo o que estou a sentir,
Digo o contrário do que estou a sentir.
O teu mundo está tão perto do meu
E o que digo está tão longe,
Como o mar está do céu.
E é tão difícil dizer amor,
É bem melhor dizê-lo a cantar.
Por isso esta noite, fiz esta canção,
Para resolver o meu problema de expressão,
Pra ficar mais perto, bem mais de perto.
Ficar mais perto, bem mais de perto.
Clã, Kazoo,
1997
Composição:
Hélder Gonçalves / Carlos Tê
Clã na foto da capa do álbum Kazoo, de 1997
Problema
de expressão
Os Clã não escreveram só canções.
Escreveram-nos canções. Para cantarmos de olhos fechados uma letra (de Carlos
Tê) que revolvia a nossa timidez na hora de dizer ‘Amo-te’. Na língua inglesa,
qualquer patetice fica mesmo sempre bem; em português, qualquer exteriorização
de intimidade assume-se como extravagante (afinal, todas as cartas de amor são
mesmo ridículas). A Carlos Tê reconhece-se o dom para simplificar conceitos
complexos e para complexificar conceitos simples. Mas a Carlos Tê reconhece-se
sobretudo o mérito de as suas letras nos fazerem vibrar como cordas. E foi ‘O
Problema de Expressão’, do álbum “Kazoo”, que nos fez começar a vibrar como
cordas com os Clã. É uma canção intimista, envolvente, delicada e viciante,
fazendo-nos sentir parte do elenco em que foi composta. Há vizinhança entre a
letra de ‘Problema de Expressão’ e a nossa sensibilidade.
Depois de se descobrir o amor, nem sempre
é fácil dizer ao outro que o amamos.
O sujeito de enunciação afirma
ter um problema de expressão para dizer que ama alguém, porque não encontra o
melhor termo ou modo.
Não entende o embaraço que o leva
a achar que só tem estima por ele. Em muitos momentos, sente coisas confusas,
não dizendo o que sente, mas sim o contrário.
Como é muito difícil dizer
“amor”, e, uma vez que é bem melhor dizê-lo a cantar, o sujeito poético fez uma
canção. Desta forma, resolveu o problema de expressão e conseguiu ficar mais
perto, bem mais perto…
Contos & Recontos 7, Carla Marques e Inês Silva. Lisboa, ASA, 2013,
p. 152
Aquilo tornara-se um vício. Ele ouvia um telefone a
tocar e logo estendia o braço e levantava o auscultador.
– E se fosse para mim?
Os amigos faziam troça:
– No consultório do teu dentista?
Uma noite estava sozinho, no Rossio, à espera de um
táxi, quando o telefone tocou numa cabina ao lado. Era no fim da noite e
chovia: uma água mole, desesperançada, tão leve que parecia emergir do próprio
chão. Ruben enfiou as mãos nos bolsos do casaco.
– É claro que não vou atender – disse alto. – Não
pode ser para mim. Se atender este telefone é porque estou a enlouquecer.
O telefone voltou a tocar. Não chegou a tocar cinco
vezes. Ele correu para a cabina e atendeu.
– Está?
Estava muito sol do outro lado. Era, tinha de ser,
uma tarde de sol.
– Posso falar com o Gustavo?
A voz dela iluminou a cabina. Ruben pensou em dizer
que era o Gustavo. Estava ali, àquela hora absurda, abandonado como um náufrago
na mais triste noite do mundo. Tinha direito de ser o Gustavo (fosse ele quem
fosse).
– Você não vai acreditar, mas a sua chamada foi
parar a uma cabina telefónica.
Ela riu-se. Meus Deus – pensou Ruben – era como
beber sol pelos ouvidos.
– Não brinques! És tu, Gustavo, não és?…
Sim ele tinha o direito de ser o Gustavo:
– Infelizmente não. Você ligou para uma cabina
telefónica, no Rossio, eu estava à espera de um táxi e atendi.
Quase acrescentou: "pensei que pudesse ser para
mim". Felizmente não disse nada. Ela voltou a rir:
– Tenho a sensação de que esta chamada vai ficar-me
cara. Sabe onde estou?
Pulau Penang
Estava em Pulau Penang, na Malásia, e dali, do seu
quarto, num hotel chamado Paradise, podia ver todo o esplendor do mar.
– Nunca vi nada com esta cor – sussurrou – só espero
que Deus me dê a alegria de morrer no mar.
Ele ficou em silêncio. Aquilo parecia a letra de um
samba. Ela começou a chorar:
– Desculpe que vergonha… Nem sequer sei como se
chama.
Ruben apresentou-se: – Ruben, 34 anos, trabalho em
publicidade.
Pediu-lhe o número de telefone e ligou utilizando o
cartão de crédito. Aquela chamada ficou-lhe cara. Casaram oito meses depois.
Ele diz a toda a gente que foi o destino. Ela, pelo sim pelo não, proibiu-o de
atender telefones.
José Eduardo Agualusa, A substância do amor e
outras crónicas. 3.ª edição, Lisboa, Publicações D. Quixote, 2009, pp.
53-54
***
Escreve um pequeno comentário,
entre 80 e 100 palavras, sobre o sentido global do texto de José Eduardo
Agualusa, atentando na caracterização de Ruben, nas atitudes perante o
telefonema oriundo de Pulau Penang e na importância do destino na vida das pessoas.
(Proposta de escrita por Carla Marques e Inês Silva, emContos & Recontos 7.
Lisboa, ASA, 2013, p. 152)
Sugestão de resposta:
O sentido global do texto é mostrar
como o destino pode intervir na vida das pessoas, de forma surpreendente e
maravilhosa.
Ruben é uma personagem solitária, que
tem o hábito de atender telefones alheios, na esperança de encontrar alguém que
lhe fale.
As atitudes perante o telefonema de
Pulau Penang são de curiosidade, encantamento e coragem. Ruben decide
arriscar-se a conhecer a mulher que lhe ligou por engano, e acaba por se
apaixonar e casar com ela.
O destino é a força que une as duas
personagens, que vivem em lugares tão distantes e diferentes.
O texto é uma celebração do amor e da
magia do acaso.
Pedro e Inês, os amantes infelizes, por Sérgio Marques, 2021
Romance de D. Pedro e Dona Inês
Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o infinito se enlaça.
Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio do ritual macabro
duma coroação.
O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça
partiu com mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.
E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
o fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.
Natália Correia, Poemas
(1955)
O poema é
inspirado na história de amor trágico entre o infante D. Pedro e a sua amante
Inês de Castro, que foi assassinada por ordem do rei D. Afonso IV, pai de D.
Pedro, em 13551. Após a morte de Inês, D. Pedro declarou que se tinha casado
secretamente com ela e mandou coroá-la como rainha, expondo o seu cadáver no
trono.
O poema
apresenta uma estrutura narrativa, podendo ser dividido em três momentos: a
descrição da beleza de Inês (primeira estrofe), o relato do seu assassinato
(segunda e terceira estrofes) e a reação de D. Pedro (quarta estrofe).
As
imagens da primeira parte parecem ser ambíguas, visto que a neve pode
simbolizar a palidez da pele de Inês após a morte, mas também pode simbolizar a
brancura e a delicadeza da sua pele em vida. A graça e o contorno podem sugerir
a beleza e a delicadeza da sua forma mesmo na morte, mas também podem sugerir a
elegância e a perfeição da sua forma em vida. O infinito pode representar a
transcendência da beleza de Inês, mesmo após sua morte, mas também pode
representar a eternidade do amor entre Inês e D. Pedro.
A meu
ver, os versos da primeira estrofe parecem evocar a beleza serena do corpo
morto de Inês após a sua morte violenta, usando imagens de pureza e
tranquilidade para contrastar com a tragédia que ocorreu. Assim, o contorno
breve do corpo mortal demarcaria a fronteira entre o físico e o espiritual,
como se estivesse tocando o infinito.
A segunda
estrofe introduz elementos sombrios na narrativa, com a menção de uma
constelação na sua fronte como presságio do "ritual macabro / duma
coroação" póstuma, como de facto veio a acontecer.
A
terceira estrofe revela a crueldade do destino, sugerindo que o que atraía a
claridade dos deuses na sua carne foi arrancado com fúria e desgraça. O sujeito
poético emprega nesta parte do texto uma linguagem bem sombria e dramática para
narrar o ato cruel que tirou a vida de Inês. Palavras como
"tempestade", "ira", "desgraça" e
"fatalidade" são escolhidas cuidadosamente para expressar a fúria e a
injustiça que marcaram o crime. A palavra "tempestade" evoca uma
sensação de caos e violência, sugerindo que o ato foi tumultuoso e selvagem.
"Ira" ressalta a intensidade da raiva subjacente a essa ação
violenta, enquanto "desgraça" aponta para o trágico e infortunado
destino de Inês. A palavra "fatalidade" enfatiza a inevitabilidade do
ocorrido, como se o destino estivesse selado desde o início.
Na quarta
estrofe, o sujeito poético retrata a profunda reação de D. Pedro perante o
cadáver de Inês, revelando seu espanto e dor de maneira comovente.
A
utilização de uma hipérbole, ao afirmar que "o fim do mundo ficou
esperando / aos pés da mais fantástica rainha," é notável. Essa expressão
enfatiza a intensidade do amor de D. Pedro por Inês e a extensão de seu
sofrimento. Ao sugerir que o "fim do mundo" estava à espera, a poeta
indica que, para D. Pedro, nada mais importava a não ser o seu amor por Inês.
Essa hipérbole realça o aspeto trágico e atemporal do amor do protagonista,
como se a própria ordem do mundo estivesse suspensa ou interrompida diante da
morte de Inês.
Além
disso, ao chamar Inês de "rainha" depois de sua morte, a poeta destaca
o caráter fantástico e paradoxal da situação. Inês, embora morta, é descrita
como uma rainha, talvez indicando que o seu amor e beleza transcenderam a vida
e a morte, conferindo-lhe uma realeza eterna. Esse uso do termo
"rainha" também ressalta a importância de Inês na vida de D. Pedro e
a profunda reverência que ele sentia por ela, independentemente das
circunstâncias.
O poema
"Romance de D. Pedro e Dona Inês" de Natália Correia é um texto que
evoca uma atmosfera sombria e trágica, mergulhando na lenda histórica do amor
proibido entre D. Pedro I de Portugal e Dona Inês de Castro.
(A propósito dos episódios de racismo desta semana que envergonham toda a
raça humana)
O nome – ainda que não o punho – de Salomão foi
responsável por aquele que pode ser considerado o brinde-surpresa da Bíblia: o
facto de, neste heteróclito e tantas vezes contraditório conjunto de livros (de
épocas e autorias muito diversas) sobre a história da relação dos judeus com
Jeová, se encontrar lá no meio uma pequena antologia de versos eróticos de que
Jeová está totalmente ausente.
O motivo que justificou a inclusão desta antologia
erótica no Antigo Testamento foi a atribuição da sua autoria ao rei Salomão. Na
versão grega do Antigo Testamento, o título afirma-se como “Cântico dos
Cânticos, que é de Salomão” e o nome do filho de David surge, com efeito, no
interior do texto; de tal forma, aliás, que não é impossível experimentarmos a
ilusão de ser o próprio rei a enunciar alguns dos versos emitidos por uma boca
masculina, em resposta a outros versos claramente enunciados por uma mulher. No
entanto, tal como no caso do livro de Sabedoria (também falsamente atribuído a
Salomão), questões de cronologia tornam impossível a aceitação de que tenha
sido o grande rei judeu a compor este conjunto de versos desgarrados em que um
noivo e uma noiva antevêem (e, a dada altura, parecem gozar) as delícias do
leito conjugal.
Excluída a possibilidade da autoria salomónica, fica
então a pergunta: o que fazer deste pequeno livro, no seio da austera Bíblia,
livrinho esse cujo tema é sintetizado pela palavra “sexo”? Porque com ou sem a
assinatura de Salomão, o conteúdo do livro é inescapável: é uma antologia de
versos eróticos.
Confrontados com a necessidade de explicar a razão da
existência do Cântico dos Cânticos, exegetas bíblicos de todas as épocas e
quadrantes (judeus, católicos, ortodoxos, protestantes, etc.) desenvolveram uma
artilharia de interpretações metafóricas do Cântico, através das quais
procuraram fazer-nos ver que não é de sexo entre um casal humano que aqui se
trata, mas do amor de Deus (o “noivo”) ou de Jesus por uma noiva que pode ser o
povo eleito, a igreja católica ou até a Virgem Maria. A liturgia das Vésperas
Marianas inclui trechos do Cântico dos Cânticos, como “Pulchra es, amica mea”
(“És bela, minha amiga”), e – surpreendentemente – os versos do primeiro
capítulo deste livrinho que começam “Nigra sum – sed formosa” (“Sou negra – mas
bela”, Cântico dos Cânticos 1: 5).
Esta voz feminina que aqui nos fala descrevendo-se
como negra (“mas” bela) sugere um caminho de reflexão bem interessante. Porquê
o “mas”? Que surge tanto na tradução portuguesa da Bíblia dos Capuchinhos, como
na consagrada tradução latina da Vulgata? Na versão grega do Antigo Testamento,
a noiva do Cântico dos Cânticos diz de si própria “sou negra e bela” (μέλαινά εἰμικαὶκαλή). Segundo o comentário ao Cântico de Othmar Keel, também é nessa linha que devemos entender o original hebraico
(e por isso o ilustre teólogo suíço traduz “schwarz bin ich und anziehend”).
São Jerónimo, autor da tradução latina, deve ter sentido a necessidade de pôr
uma desculpa na boca da Sulamita (como a noiva é designada no capítulo 7 do
Cântico) por ser negra, levando-a a afirmar que era bela apesar de ser negra.
Os tradutores da Bíblia dos Capuchinhos mantêm espantosamente o “mas”,
mitigando-o por meio da alteração de “negra” para “morena”: “Sou morena, mas
formosa... não estranheis eu ser morena: foi o sol que me queimou...” Tanto em
hebraico, em grego como em latim, a noiva é claramente negra. Não há volta a
dar.
E o noivo – surpresa! – é branco. “O meu amado é alvo
e rosado”, canta a noiva negra (5: 10); o ventre dele é da cor de marfim (5:
14); as pernas são “pilares de alabastro” (5: 15). Além de ser uma antologia de
versos eróticos incrustada no meio da Bíblia, o Cântico dos Cânticos celebra
aquilo que, ainda nos anos 60 do século passado, era proibido no chamado Bible
Belt dos EUA: um casamento “misto”. Ainda bem que, “no fundo”, se trata de um
texto altamente alegórico que nada tem que ver com aquilo que ostensivamente se
lê no próprio texto... Ainda bem que é tudo sobre (os nunca mencionados) Jeová
ou Jesus ou Maria ou a Igreja... É que ler o Cântico dos Cânticos de forma
literal e simplista seria decerto muito redutor! É melhor dizermo-nos que os
peitos referidos (8: 10) não são peitos, mas símbolos de realidades
místico-divinas. Contudo, temos o direito de ser selectivos com a aplicação
destas leituras alegóricas, pois por vezes é mais aconselhável ler o texto à
letra! É claro que o noivo a entrar no “seu jardim” para “colher lírios” no
“canteiro dos aromas” (6: 2) só designa mesmo actividades hortícolas...
Sarcasmo à parte (e perdoem-me todos aqueles que
perfilham a ideia de que o Cântico dos Cânticos é o grande texto religioso
sobre o amor místico de Deus): como são belos os versos desta extraordinária
antologia erótica; versos para os quais a filologia bíblica contemporânea
encontra paralelos expressivos em tantas outras literaturas de territórios
próximos de Israel (mormente o Egipto antigo e helenístico). Quão belos são os
versos que nos dizem “forte como a morte é o amor; implacável como o abismo é a
paixão” (8: 6). Como é verdade, meu Deus, que não há fortuna no mundo que possa
comprar o amor (8: 7). E como é mais verdade ainda que se identifica o
verdadeiro amor por ser aquele que, simplesmente, é portador da paz (8:10).
Proençaes soem mui
bem trobar
e dizem eles que é com amor;
mais os que trobam no tempo da frol
e nom em outro, sei eu bem que nom
am tam gram coita no seu coraçom
qual m’eu por mia senhor vejo levar.
Pero que trobam e sabem loar
sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, sõo sabedor
que os que trobam quand’a frol sazom
á, e nom ante, se Deus mi perdom,
nom am tal coita qual eu ei sem par.
Ca os que trobam e que s’alegrar
vam eno tempo que tem a color
a frol consigu’e, tanto que se for
aquel tempo, logu’em trobar razom
nom am, nom vivem em qual perdiçom
oj’eu vivo, que pois m’á de matar.
D. Dinis (CV 127, CBN 489)
A Lírica Galego-Portuguesa, 2.ª ed., edição de Elsa
Gonçalves e Maria Ana Ramos, Lisboa, Comunicação, 1985, p. 286.
Notas
soem (verso 1) – costumam.
mais (verso 3) – mas.
frol (verso 3) – flor.
coita (verso 5) – sofrimento amoroso.
levar (verso 6) – suportar; sofrer.
Pero que (verso 7) – embora.
quand’a frol
sazom / á (versos 10 e 11)
– na estação das flores.
par (verso 12) – igual; semelhante.
Ca (verso 13) – pois; porque.
tanto que se
for / aquel tempo, logu’em trobar razom / nom am (versos 15 a 17) – assim que acaba aquele
tempo, logo deixam de ter razões para trovar.
Análise de uma composição trovadoresca
galego-portuguesa
1.
Apresentação:
Identificação:
«Proençaes soen mui ben trobar»
Género: cantiga de
amor e simultaneamente sátira literária
Presença nos
cancioneiros: CV 127, CBN 489
Autor: D. Dinis
2.
Paráfrase da cantiga: (por Natália Correia, Cantares dos Trovadores
Galego-Portugueses):
Os provençais que
bem sabem trovar!
e dizem eles que trovam com amor,
mas os que só na estação da flor
vejo trovar jamais no coração
semelhante tristeza sentirão
qual por minha senhora ando a levar.
Muito bem trovam! Que bem sabem louvar
as suas bem-amadas! Com que ardor
os provençais lhes tecem um louvor!
Mas os que trovam durante a estação
da flor e nunca antes, sei que não
conhecem dor que à minha se compare.
Os que trovam e alegres vejo estar
quando na flor está derramada a cor
e que depois quando a estação se for,
de trovar não mais se lembrarão,
esses, sei eu que nunca morrerão
da desventura que vejo a mim matar.
3.
Tema/ Assunto: contraposição da sinceridade amorosa peninsular ao
artificialismo do amor à maneira provençal.
4.
Estrutura formal: 3 estrofes uníssonas e «capcaudadas».
10a 10b 10b 10c
10c 10a
5.
Questionário sobre a cantiga “Proençaes soen mui ben trobar”, de D. Dinis.
5.1.
Explicite o contraste que o trovador estabelece, na primeira estrofe, entre a
sua prática poética e a dos «Proençaes» (verso 1).
5.2.
Analise o valor simbólico atribuído, ao longo do poema, à palavra «frol».
5.3.
Refira duas características temáticas que permitem integrar este texto no
conjunto das cantigas de amor.
5.4.
Neste poema, é possível reconhecer traços de sátira literária.
Comprove
esta afirmação, com base em dois aspetos relevantes.
Explicitação dos cenários de resposta
5.1.
Na resposta, devem ser desenvolvidos os dois tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
Na
primeira estrofe, o trovador estabelece um contraste entre a sua prática
poética e a dos «Proençaes» (v. 1) do modo seguinte:
−
a prática poética do trovador, ao contrário da dos «Proençaes» (v. 1), não se
limita a uma certa estação do ano (como se subentende por «trobam no tempo da
frol / e nom em outro» ‒ vv.
3-4);
−
o trovador considera que os «Proençaes» (v. 1) sofrem muito menos por amor do
que ele («nom / am tam gram coita no seu coraçom» ‒ vv. 4-5).
5.2.
Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
Ao
longo do poema, a palavra «frol» adquire um valor simbólico:
−
como marca da primavera, literariamente conotada com o amor e com a poesia
(«tempo da frol» ‒ v. 3 ‒, aquele em que os «Proençaes»‒
v. 1 ‒ costumam trovar);
−
como indício da chegada de uma estação do ano («quand'a frol sazom / á» ‒ vv. 10-11) propícia ao sentimento amoroso;
−
como sugestão de um ambiente alegre e cheio de cor («eno tempo que tem a color
/ a frol consigu'» ‒ vv.
14-15).
5.3.
Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
O
texto pode integrar-se no conjunto das cantigas de amor com base nestas
características:
−
a afirmação do sofrimento por amor, ou coita amorosa, de que padece o sujeito
poético («gram coita» ‒ v. 5; «tal coita»‒ v. 12);
−
a devoção a uma mulher amada, designada por «mia senhor» (v. 6);
−
um sentimento tão intenso que leva o sujeito poético a prever a sua morte por
amor («em qual perdiçom / oj’eu vivo, que pois m’á de matar» ‒ vv. 17-18).
5.4.
Na resposta, devem ser desenvolvidos os dois tópicos seguintes, ou outros
igualmente relevantes.
A
presença de traços de sátira literária neste poema pode ser comprovada com base
nos aspetos seguintes:
−
a expressão «dizem eles» (v. 2) sugere uma desconfiança irónica no que respeita
à motivação dos «Proençaes» (v. 1);
−
ao longo do poema, a prática poética dos «Proençaes» (v. 1) é desdenhada pelo
sujeito poético (por nela reconhecer sinais de artificialismo).
(Questionário disponível no Exame
Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino
Secundário | 2023 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de
julho | Decreto-Lei n.º 22/2023, de 3 de abril. República Portuguesa – Educação
/ IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.)
Não, meucoraçãonão é maiorque o mundo.
É muitomenor.
Nele não cabem nem
as minhasdores.
Por issogostotanto de mecontar.
Por issome
dispo,
por issomegrito,
por isso freqüento os jornais, me
exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meucoração
é muitopequeno.
Só agora vejo que
nele não cabem os homens.
Os homens estão cáfora, estão na rua.
A rua é enorme.
Maior, muitomaior do que
eu esperava.
Mas também a ruanão cabe todos
os homens.
A rua é menorque o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande
o mundo.
Conheces os naviosque
levam petróleo e livros,
carne e algodão.
Viste as diferentescores
dos homens,
as diferentesdores
dos homens,
sabes como é difícilsofrertudoisso, amontoar tudo isso
num sópeito
de homem... semqueele
estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a águanosvidros,
tão calma. Não
anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo... Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?
Meu coraçãonão
sabe.
Estúpido, ridículo
e frágil é meucoração.
Só agora descubro
como é tristeignorarcertascoisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com quehomens
se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas,
as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muitopobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas semproblemas,
nãoobstante
exaustivas e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo,
o grandemundo
está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meucoraçãotambém pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dezmetros e explode.
–– Ó vidafutura!
nóste
criaremos.
ANDRADE,
Carlos Drummond de. In: Obracompleta. Organizada por
Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro:
Aguilar, 1964. p. 116-7.
1. Considerando a obra de onde se
extraiu o poema “Mundo grande” e a temática nela trabalhada, pode afirmar-se que o sujeito poético, no texto,
evidencia
A) a tomada de consciência
de quantoele
se distanciou do seusemelhante, ao isolar-se numa atitude
investigativa do próprioeu.
B) o comprometimento com
uma arte de funçãoeminentementeestética.
C) a autocrítica a uma posturaanterior de isolamentoemrelação
ao mundocoletivo.
D) a atitude de egoísmo
e de abstração da realidadecontemporânea, ao manifestardesejo de ilhar-se, seguindo as ideias e
os costumes de uma geração
desiludida.
E) a perceção de que
há homensisentos
da relaçãosolidáriacom os seussemelhantes.
F) o crescimento humano, ao assumirumcompromissocom
uma arte de engajamento político-social.
G) a consciência do impasseemque se encontra a sociedade do seutempo e da suaimpotência
para imprimir mudanças no processohistórico.
(Fonte: UFBA,
2004 – 1.ª fase – Português. Disponível em http://www.procampus.com.br/vestibular/ufba/provas/2004/1etapa/caderno1et1_04.pdf.
Consultado em 10-09-2007)
2. Considere,
agora, o seguinte poema de Tomás Antônio Gonzaga:
LIRA II (2.ª parte)
Esprema a vil calúnia muito embora
Enter as mãos denegridas, e insolentes,
Os venenos das plantas,
E das bravas serpentes.
Chovam raios e raios, no meu rosto
Não hás de ver, Marília, o medo escrito:
O medo perturbador,
Que infunde o vil delito.
Podem muito, conheço, podem muito,
As fúrias infernais, que Pluto move;
Mas pode mais que todas
Um dedo só de Jove.
Este Deus converteu em flor mimosa,
A quem seu nome dera, a Narciso;
Fez de muitos os Astros,
Qu'inda no Céu diviso.
Ele pode livrar-me das injúrias
Do néscio, do atrevido ingrato povo;
Em nova flor mudar-me,
Mudar-me em Astro novo.
Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
Em tão tirano mal me não socorrem;
Verás então, que os sábios,
Bem como vivem, morrem.
Eu tenho um coração maior que o mundo!
Tu, formosa Marília, bem o sabes:
Um coração..., e basta,
Onde tu mesma cabes.
Tomás Antônio Gonzaga. Marília de Dirceu, 1792.
2.1. Assinale a afirmação correta sobre os dois textos:
A) Por pertencer à fase heroica ou iconoclasta do Modernismo, Carlos
Drummond de Andrade parodia o lirismo sentimental do árcade Tomás Antônio
Gonzaga.
B) Enquanto o poeta do Arcadismo, Gonzaga, expressa seu sentimento pela
musa Marília, o modernista Drummond reporta- -se, nesse trecho, às divergências
ideológicas.
C) Gonzaga, como muitos árcades, é alheio ao que está a seu redor, já
Drummond expressa um sentimento de revolta ante um mundo que não compreende as
dores do poeta.
D) Em Gonzaga, o coração do poeta alcança a plenitude com a presença da
amada. Em Drummond, o coração é insuficiente para abarcar as próprias dúvidas
existenciais.
E) Tomás A. Gonzaga usa a imagem do “mundo” para instigar a musa Marília
a aceitá-lo; Drummond retoma o procedimento do poeta árcade, ressaltando o sofrimento
por causa da amada.
(Correção:
alínea D. Fonte: ESPM, 2019/1. Disponível em https://www.aio.com.br/questions/content/considere-os-textos-que-seguem-eu-tenho-um-coracao-maior-que-o-mundo-tu
- consultado em 2023-07-14)
2.2. Observe que Carlos Drummond de Andrade recupera a
última estrofe de Tomás Antônio Gonzaga no seu poema. Considerando a relação
intertextual entre ambos os poemas, explique, sem transcrever qualquer excerto
do poema, por que Gonzaga julga o seu coração “maior do que o mundo”.
(Proposta de resposta:
No poema de Gonzaga, o sujeito poético julga o seu coração “maior do que o
mundo” porque o sentimento amoroso idealizado na figura de Marília vai além das
injustiças do mundo. Há a supervalorização do amor e do protagonismo feminino.
Já no poema de Drummond, o sujeito poético reconhece as suas próprias limitações
diante dos problemas da vida. Para se vencer os obstáculos, uma visão coletiva
e não individualista deve prevalecer.)
2.3. Ambos os poemas trazem uma segunda pessoa, “tu”,
para quem cada sujeito poético confessa as suas angústias. No caso de Carlos
Drummond de Andrade, estas angústias também se revelam quanto ao próprio processo
da escrita. Transcreva do poema “Mundo grande” apenas um verso em que se faz
claramente essa referência metalinguística, explicando, com suas palavras, de
acordo com o contexto apresentado, o motivo da angústia.
(Proposta de resposta:
Cita um dos seguintes versos com clara referência metalinguística: “Por isso
gosto tanto de me contar” / “Por isso me dispo” / “por isso me grito” / “por
isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias”
Na segunda parte da questão, deve mencionar que o sujeito
poético tem consciência das mazelas e dores do mundo, e que a sua angústia vem
do sentimento de incapacidade perante os sofrimentos e injustiças dos homens,
que ele considera maiores do que o seu coração.)
2.3. A partir da comparação entre os dois poemas, e
considerando que o coração é metáfora para o sentimento amoroso, identifique
qual o objeto de amor do poeta, tanto no poema “Lira I”, de Tomás Antonio
Gonzaga, como no poema “Mundo grande”, de Carlos Drummond de Andrade.
(Proposta de resposta:
O objeto de amor do poema de Tomás Antônio Gonzaga é Marília, a mulher que o sujeito
poético ama. Já no poema de Carlos Drummond de Andrade, o objeto de amor é todo
o mundo e as suas dores, que o seu coração, pequeno, não suporta.)
(Fonte:
adaptado de UFJF– Módulo III DO PISM – Triénio 2012-2014 – Prova Literaturas.
Disponível em https://www2.ufjf.br/copese/files/2010/04/LITERATURA.pdf -
consultado em 2023-07-14)