domingo, 13 de março de 2016

Oração ao Tempo (Caetano Veloso)



“Que é, pois o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei.”
Santo Agostinho de Hipona (354-430), Tradução de J. Oliveira Santos, S.J., e A. Ambrósio de Pina. S.J., Confissões, Editora Nova Cultural Ltda., São Paulo, Brasil, 1999. Livro XI, XIV.17




ORAÇÃO AO TEMPO

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo, tempo, tempo, tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo, tempo, tempo, tempo

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo
Quando o tempo for propício
Tempo, tempo, tempo, tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo, tempo, tempo, tempo

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Portanto, peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo, tempo, tempo, tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo, tempo, tempo, tempo

Caetano Veloso, 1979


Versão audio de Caetano Veloso


A preocupação com os ensinamentos que o tempo deve necessariamente trazer à vida é estampada também em “Oração ao tempo”, de 1979. Nela, o compositor reconhece um caráter sagrado no tempo e dirige-se a ele em atitude suplicante, reproduzindo a tradicional forma eucológica das orações: elogios à divindade, desejo de comunhão espiritual, súplicas por suas bênçãos e afirmação da união eterna. […]
O artista roga pela sabedoria de experimentar o “prazer legítimo” e o “movimento preciso” que só o tempo proporciona, a fim de que a sua vida espiritual “ganhe um brilho definido” e ele espalhe benefícios:
Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso
Tempo, tempo, tempo, tempo, quando o tempo for propício
De modo que o meu espírito ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo, e eu espalhe benefícios




Nota: Eucologia é um ramo da ciência teológica que estuda as orações e as leis que governam sua formulação.

Carlos Eduardo Brandão Calvani, Teologia e MPBSão Paulo, UMESP-Edições Loyola, 1998



Versão de Maria Bethânia


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