sexta-feira, 20 de março de 2015

QUANDO VIER A PRIMAVERA, Alberto Caeiro

Laara Cerman, Canada, Commended, Open, Arts and Culture, 2016 Sony World Photography Awards


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
7-11-1915
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993).
  - 87.
1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925.





Audição de “Quando vier a primavera” de Alberto Caeiro por Pedro Lamares:



O eu poético de Alberto Caeiro prefere lidar com a objetividade e a certeza. As coisas são – são como são, e tudo está bem: o ciclo da natureza é uma prova da inexorabilidade do mundo real. Compara homem e natureza, aponta a perenidade desta, não afetada pela mortalidade humana. E lança seu olhar sereno para a inevitabilidade dos acontecimentos, cada qual a seu tempo.

"A Primavera é a estação...", Lilian Arradi. In: Em busca da autoria, 2014-10-06. Url: http://www.embuscadaautoria.com/2014/10/a-primavera-e-estacao.html


*

As primeiras duas estrofes introduzem-nos ao poema e a uma temática bem cara a Alberto Caeiro, nomeadamente a sua posição face à natureza. A maior ambição de Caeiro era deixar de pensar e ele acreditava mais que nada nessa necessidade de simplificar a vida. Deixar de pensar seria a maneira eficaz de deixar de sofrer, porque o pensamento é a busca de significados, de respostas, que nunca verdadeiramente podem ser alcançadas. 
Ao descrever a chegada da Primavera e ao colocar-se, imaginariamente, já morto, o sujeito poético pretende transmitir essa mesma sensação de naturalidade. A natureza não pensa e por isso todos os seus processos são conjuntos e não individuais. No seio da natureza a ausência de um elemento não para a evolução contínua dos restantes. É por isso que um pensamento aparentemente triste - a morte - gera uma alegria tão grande em Caeiro. Se a natureza ignora a sua morte, é porque ele faz parte da natureza e é aceite por ela como seu constituinte. […]
A aceitação do destino é um outro ponto fundamental na visão do mundo de Alberto Caeiro. Na sua visão do mundo o homem não luta contra o destino, antes o aceita sem discussão, na sua inevitabilidade. Não aceitar o destino seria pensar na vida e não aceitá-la tal como ela é. Este objetivismo absoluto de Caeiro é por vezes difícil de compreender, mas é, também, imensamente simples. 




*

A poesia retrata as reflexões referentes sobre a morte. O eu lírico afirma que depois da morte a vida continua e a natureza seguindo seu ciclo. É como se após a nossa morte nada se alterasse na vida. Tudo segue seu ritmo natural, de certa forma, quis o poeta afirmar que não fazemos falta, no sentido de que o real, que é aquilo que existe e tem vida, sempre continuará. No final, a consciência de que não adiantam preces em cima do caixão de quem já perdeu a consciência, o que denota a descrença de uma vida espiritual após a morte. 

Scarlet Allef, https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20101129143802AAknkR4, 2011




Em seu Poema, “Quando vier à primavera” é possível perceber uma tranquilidade em lidar com o tema da morte. Como dissemos acima, a morte é o momento onde temos a certeza completa da perda do eu e que o indivíduo só sai do estado de angústia que ela causa por meio da coragem de Aceitar a Aceitação. Acreditamos que essa coragem está presente em Caeiro e o poema abaixo demonstra isso. […]
Acreditamos que o tema da morte é central no poema. Apesar dela não estar presente em seu estado final, apenas a ameaça da morte que se faz presente “em cada momento dentro da existência” (TILLICH, Paul. A coragem de ser. Tradução de Egle Malheiros. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976., p. 35) se apresenta claramente. É necessário lembrar que isso já é capaz de confrontar o ser com o não-ser e despertar a angústia. Podemos perceber isso logo nos primeiros versos:

“Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto”

É interessante lembrar que a angústia provocada pela morte só pode ser subjugada pela coragem quando o individuo tem consciência da potência de seu ser. Sócrates teve consciência de si como ser indestrutível, pertencente a duas realidades, sendo uma transtemporal. Caeiro não é diferente, acreditamos que ele faz o mesmo. Ele subjuga a angústia pela potência do seu ser, mas essa “potência” (se podemos chamá-la assim) demonstrada por ele é diferente. Caeiro se vê e tem consciência de si como um ser humano finito que no encontro com a morte não pode fazer nada. Acreditamos que essa ideia de se conformar com a morte e reconhecê-la como algo que não tem como escapar aparece nos versos onde ele se refere à primavera:

“Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.”

Entendemos assim porque Caeiro demonstra que não tem como escapar da realidade e de seu curso e a morte faz parte disso.

“Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?”

A característica que diferencia Alberto Caeiro das outras personalidades é a de não enxergar nenhum sentido oculto nas coisas, “Porque o único sentido oculto das cousas É elas não terem sentido nenhum”. (Fernando Pessoa – Alberto Caeiro).

A coragem em Alberto Caeiro: Uma leitura do poema de Alberto Caeiro a partir do pensamento de Paul Tillich”, Wanderson Salvador Francisco de Andrade Campos. Revista Eletrônica Correlatio v. 12, n. 23 - Junho de 2013.





Analise as afirmações que se seguem e escolha a alternativa correta sobre o poema “Quando vier a Primavera”:

(A) o poema revela a subtil visão da natureza que transpõe a concretude das coisas.
(B) Alberto Caeiro choca os olhares metafísicos que enxergam na morte uma simbólica significação.
(C) os versos de Caeiro são uma negação de que “as coisas não têm significado: têm existência.”
(D) neste poema, a certeza/incerteza da estação das flores está entrelaçada à condição do eu lírico.
(E) o verso “o que for, quando for, é que será o que é” coaduna-se com a frase: ”o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, e das coisas que não são, enquanto não são”.

Vestibular 2014.1 Língua Portuguesa. Teresina-PI – 10/11/2013. URL: http://www.favip.edu.br/arquivos/PROVA_DE_DIREITO_VEST_2014_1.pdf





 

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