sábado, 22 de outubro de 2011

A NOITE DE ONTEM FOI MUITO COMPRIDA... (Juião Bolseiro)

       
        
Jogral galego da época afonsina, Juião Bolseiro carateriza-se pelos temas que tratou: os ciúmes, as noites de insónia e as barcas que trazem o amado de terras distantes.
          
         
                    
         
         
Da noite d' eire poderam fazer,
grandes tres noites, segundo meu sém,
mais na d'oje mi vo muito bem,
         ca veo meu amigo,
e ante que lh'enviasse dizer rem,
         vo a luz e foi logo comigo.
        
E, pois m' eu eire senlheira deitei,
a noite foi e vo e durou,
mais a d'oje pouco a semelhou,
         ca vo meu amigo,
e, tanto que mi a falar começou,
         vo a luz e foi logo comigo.
        
E comecei eu eire de cuidar
[ e ] começou a noite de crecer,
mai-la d'oje nom quis assi fazer,
         ca vo meu amigo,
e, faland' eu com el a gram prazer,
         vo a luz e foi logo comigo.
        
Juião Bolseiro, B 1166 / V 772
        
__________
v.1 “eire”: ontem.
v.2 “segundo meu sém”: em minha opinião.
vv.3 e 9 “mais”: mas.
v.15 “mai-la”: mas a.
        

        
        
   
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A cantiga de amigo “Da noite d' eire poderam fazer” de Juião Bolseiro (jogral galego do século XIII) desenrola-se em torno do tópico da brevidade da noite que foi passada com o amigo (pois depressa veio a manhã, provocando a separação), em comparação com a noite anterior, que tinha sido passada sozinha.
Todo o contraste, a antítese entre a noite anterior e a noite de hoje, está engenhosamente patente nos processos estilísticos utilizados pelo trovador ao longo da cantiga. De um lado, temos a noite de ontem extremamente longa (“poderam fazer / grandes tres noites”; “a noite foi e vo e durou”; “começou a noite de crecer”); do outro lado, a noite de hoje extremamente breve, contrastando, até nas próprias palavras da amiga, com a do dia anterior (“mais na d'oje mi vo muito bem”; “mais a d'oje pouco a semelhou”; “mai-la d'oje nom quis assi fazer”).
O contraste expressa-se também pelo destaque no início de cada estrofe dado à noite de ontem (os primeiros versos de cada estrofe não rimam), em comparação com o destaque dado à noite de hoje através do refrão. Temos, assim, um verso de palavra perduda (ou seja, em evidente destaque), em confronto direto com o refrão. Dir-se-ia quase que era difícil para a donzela distinguir qual o mais intenso, o sentimento de demora da noite de ontem ou o sentimento de brevidade (breve, porque feliz) da noite de hoje. Sente-se, no entanto, no final da cantiga, uma evidente sobrevalorização da noite de hoje passada com o amigo em detrimento da noite de ontem, pelo intercalar de um verso no meio do refrão. Este verso denota, de estrofe para estrofe, uma gradação intensiva (na 1ª estrofe dá-se conta da enorme brevidade da noite: antes que lhe conseguisse dizer alguma coisa; enquanto que na 3ª estrofe já se dá conta do enorme prazer que ela proporcionou (“faland' eu com el a gram prazer”). A noite de ontem serve, pois, como pretexto, como termo de comparação com a noite mais recente, como se pode ler na seguinte paráfrase: “que feliz que foi esta noite, contudo tão fugaz, enquanto que a de ontem nunca mais tinha fim”.
Ao longo destas três estrofes em que se constata um paralelismo temático, a importância da noite mais recente em confronto evidente com a anterior é ainda ressaltada pela anáfora “mais a d’oje” iniciada com a adversativa.
        
    
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Semelhante à alba, género provençal medieval, esta composição poética de Juião Bolseiro descreve a contrariedade dos amantes que, depois de passarem a noite juntos, devem separar-se, visto que o seu amor é clandestino.
«Segundo Alfred Jeanroy (1889)os elementos constitutivos da alba son: o encontro nocturno, o grito da sentinela, ou alerta que anuncia a chegada inesperada do día e a despedida dos amantes, lamentándose pola brevidade da noite. Estes requisitos só se cumpren nunha minoría de composicións e en calquera caso non se poden considerar albas máis que unhas dezaseis occitanas e catro francesas, escritas nun breve período entre finais do século XII e comezos do XIII. Si son abundantes as variacións sobre o esquema tipo, tratado con gran flexibilidade: o canto de separación pode ser un monólogo de muller ou ben un diálogo entre o vixía e un dos amantes, a función de sentinela pode cumprila o galo que anuncia a mañá, etc.
Na tradición lírica galego-portuguesa non aparece nunca o esquema tópico do xénero, nin na súa modalidade completa nin nas variantes redutivas. Hai vestixios do xénero provenzal, pero esporádicos, marxinais, e sempre inmersos na atmosfera dacantiga de amigo, que serven para enriquecer o acervo formulístico da canción feminina. Aplicouse o nome ás composicións nas que aparecía a palabra alba, mais esta presenza no texto non garante a súa inclusión no xénero. Todas estas razóns levan a excluír textos como Levóu'a louçana, levóus'a velida (134,5), de Pero Meogo, Levantou-s'a velida(25,43) e De que morredes filha, a do corpo velido (25,31), de Don Denis. TaménAquestas noites tan longas que Deus fez en grave dia (85,5) e Da noite d'eire poderam fazer (85,7), de Juião Bolseiro, pois o tratamento da noite e da luz matinal inverte os significados que se lles asignan nas albas. Polo que respecta a Levad'amigo que dormides as manhanas frías, de Nuno Fernandez Torneol, considerada unanimemente unha alba polos críticos, Tavani cre que non cumpre os requisitos básicos para considerala unha alba de pleno dereito.» («Alba» verbete da Base de dados do Dicionario de Termos Literarios. Centro Ramón Piñeiro para a Investigación en Humanidades.)


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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2011/10/22/B1166V772.aspx]

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